A NECESSIDADE DO ENSINO

 Ricardo KLINKERFUS FILHO (Klinker)

As sociedades humanas sempre tiveram a necessidade de repassar para as gerações seguintes suas características culturais mais importantes, tidas como essenciais para o sustentáculo de sua maneira de viver. Conforme as sociedades vão se tornando complexas e se agigantam as tradições de repassar para as gerações seguintes todo o conjunto de normas e saberes que se julgava necessário tornou-se tarefa impossível para uma reprodução a contento. Assim, surgiu a necessidade histórica de elaboração de uma instituição que fosse capaz de reproduzir e repassar para todas as novas gerações todos os elementos da cultura que se julgava pertinente por parte das classes sociais que detinham o controle destas sociedades.

A cultura supõe-se para a espécie humana como um mecanismo de adaptação ao meio em que esta inserido, permitindo-lhe sua sobrevivência. A divisão do trabalho, historicamente, gerou uma consequente distribuição social do conhecimento. A partir das sociedades industriais, com maior desenvolvimento do conhecimento especializado e uma maior divisão social do trabalho, se requereu uma organização da transmissão cultural que fosse mais específica. 

         O mundo institucional necessita, por causa de sua continuidade histórica, elaborar formas de justificação de sua própria existência para as sucessivas gerações. A escola no sentido que hoje a entendemos tem origem no processo de institucionalização do conhecimento que surge com as revoluções liberais apoiadas nas idéias do Iluminismo. Se remete ao período medieval com divisão entre as escolas paroquiais que atendiam crianças das classes populares e as escolas catedráticas responsáveis por atender a demanda das classes dominantes. Do iluminismo veio a idéia de uma educação útil, desassociada da igreja e de se seus valores. A educação deveria formar para o desempenho profissional em benefício das necessidades da sociedade. 

             O modo de produção industrial que surge no sistema capitalista tem também muito que ver nesta nova situação escolar. A necessidade da formação profissional esta ligada as novas formas produtivas, porém também passa a existir a necessidade de expandir e legitimar a nova ideologia burguesa da riqueza ligada ao trabalho e a justificação das diferenças sociais como fruto, não de privilégios de nascimento, mas das capacidades e disposições individuais, dentro de um sistema de igualdades formais. Legitimando-se a desigualdade. A escola pretendia então, em parte, “civilizar” as massas populares, isto é, colocá-las a altura da nova plataforma ideológica e institucional que o espírito da época vislumbrava. Era tarefa sua, inculcar nas camadas populares um sistema de hábitos em que o trabalho, a disciplina, o uso do tempo, a economia, a modéstia, entre outros, eram valores centrais.  

Uma instituição que se preocupava com a disseminação ideológica dos valores dominantes da legitimação das desigualdades e da reprodução da estratificação social. A escola cumpriu, portanto, papel de aparato ideológico do Estado que se justificou na necessidade das sociedades industriais de reproduzir e qualificar sua força de trabalho. São as relações sociais materiais que se dão na escola – como as estruturas da instituição, as relações interpessoais, as relações com os conteúdos, com os métodos de ensino, com os materiais escolares – que tem peso decisivo em sua função reprodutora, acima da influência que pode ter um currículo formal. A seleção do conhecimento escolar responde em grande medida as necessidades de produção, por isso que o conhecimento técnico na medida em que é necessário para a esfera da produção, passará a ser importante para a esfera educativa.

A compreensão dos processos de ensino-aprendizagem não se esgota na análise e compreensão dos acontecimentos ocorridos na sala de aula. As prescrições curriculares, os modos de organização da escola, sua estrutura administrativa, a legislação, a organização espaço-temporal, as condições físicas e materiais, etc. condicionam as práticas escolares de tal modo que influenciam mais que as decisões e intenções pessoais dos participantes diretos deste processo. Estes elementos constituem os meios e as conexões da aula com as estruturas sociais. Isto quer dizer que só compreenderemos os processos de ensino-aprendizagem se os estudarmos em relação a estrutura social e sua construção histórica.

1Professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Mestre em Educação pela UFMT.


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