ELOISANDO O MUNDO

Elô era uma moça diferente: sorriso meigo, rosto angelical, ar sarcástico como quem sempre está a deliciar-se com as ironias que a vida lhe descortinava.
Caminhava despreocupadamente pelos corredores da universidade como que se o tempo corresse para ela de forma diferente, aliás, como que se o tempo respeitasse o jeito Eloise de ser e a esperasse percorrer seus caminhos no ritmo que ela assim determinasse.
Às vezes parecia-me que até o Sol aguardava seu olhar para finalmente pôr-se no horizonte, assim como a Lua não ousaria descobrir-se das nuvens antes que o ar da noite fosse respirado por Elô, e ela a pudesse contemplar, como se isto fosse um ato de desrespeito a própria natureza das coisas.
Um sorriso era sua resposta à quase tudo: galanteios (que com ela pouco funcionavam), pessoas que a ela procuravam ajuda ou serviços, invariavelmente eram recebidos com um singelo sorriso no rosto.
Conforme a situação (galanteios, por exemplo) o sorriso era sarcástico, em outras era apenas um sorriso mesmo. 
Jantava no mesmo restaurante há anos. Às vezes com amigas, às vezes com amigos, mas habitualmente, sozinha e ninguém haveria de se lembrar de alguma vez que tivesse sido vista na companhia de namorado ou coisa assim.
Algumas mentes mais desocupadas e proporcionalmente desprovidas de intelecto chegavam a conspirar sobre se as preferências e escolhas sexuais dela fossem algo não convencional.
A estes, Elô reservara certamente o mais sarcástico dos seus sorrisos sarcásticos ou pior ainda, seu olhar inerte, silencioso, que petrificaria a mais maledicente das almas, fazendo-a recolher-se a insignificância de seus pensamentos, imputando-a o mais severo dos castigos por ter lhe mesmo que por um instante lhe julgado com a pobreza de seus pensamentos.
Naquela noite ela jantava sozinha (alguma coisa com aspargos e ervilhas, se bem me lembro) e não sei dizer por qual motivo, levantou-se e foi ao toilet deixando na mesa sua bolsa, e levando apenas um pequeno estojo (maquiagem supus).
Não sei o que o amigo leitor e a amiga leitora acham, mas às vezes quando olho para um grupo de jovens rapazes, reunidos numa mesma noite “de balada”, tenho a impressão de estar assistindo ao Animal Planet  num daqueles documentários sobre a África (sobre babuínos, para ser mais exato) ...
E aquela noite não foi uma exceção. Estavam ali, eu (numa mesa no canto do salão, bebericando e tendo pensamentos libidinosos, como de costume), a mesa de Elo vazia, guardada apenas por sua bolsa quando dela se aproximaram três rapazes.
“ – Deixa comigo.” – reivindicou o primeiro.
“ – Sai fora! Eu vi primeiro.” – o segundo.
“ – Deixa comigo! Quem vai entregar sou eu!”  - contra-argumentou o terceiro
Pelo que pude entender da grotesca cena em que três símios disputavam um cabo-de-guerra com a bolsa de Elô, foi que eles a teriam visto deixar a mesa sem sua bolsa e deduziram que ela a estivesse  esquecido.
Seria muita nobreza do trio recém erigido das savanas se preocuparem assim com o bem estar da dama que, talvez, pelos desprazeres e corre-corres da vida tivesse deixado parte de sua indumentária na mesa de um restaurante o que mais tarde poderia lhe trazer muitos transtornos e quem sabe até levassem as lágrimas ...
Eu disse: “seria...”
Me ocorreu que se as razões que os teriam levado a querer devolver a bolsa à bela jovem talvez não fossem assim tão nobres.
Recordei-me de alguns filmes holiudianos onde a donzela socorrida mostrava-se tão agradecida ao jovem cavaleiro de armadura que o recompensava com beijos ardentes e suspiros que diziam algo como: “você é o amor da minha vida”
Talvez o trio não tivesse propósitos assim tão românticos nem tão bem elaborados e nem muito menos qualquer intenção nobre.
Talvez só fosse mesmo a oportunidade de se aproximar de tão bela e enigmática moça.
Bem, de qualquer forma, continuaram seu duelo (ou truelo, não sei) até serem interrompidos pela dona da bolsa e senhora de todas as sua disputas.
“ – Posso saber o que vocês estão fazendo com a minha bolsa?”
“ – Errr ...”
“ – Putz!”
“ – Vixe!”
“ – Errr, então: é que você saiu e esqueceu ela aqui na mesa”
“ – E nós íamos devolver.”
“ – É.”
“ – Eu estava no banheiro e ainda não ia embora.” – respondeu Elô já engatilhando seu olhar como quem puxa o cão de sua pistola.
...
Um silêncio que durou aproximadamente 14 segundos e meio mas que para o trio pareceu ter durado 14 horas e meia, separaram-nos e a dama da próxima intervenção verbal ...
“ – Posso?” - pergunta ela, estendendo a mão direita na direção da bolsa, até então segurada pelos três embasbacados rapazes. 
E soltaram a bolsa balbuciando algo monossilábico que ela não se esforçou para tentar compreender.
Um último olhar (daqueles que petrificariam a alma), lançou sobre eles antes de atravessar o salão em direção ao caixa e depois a saída para o estacionamento.
Antes de descer as escadas de acesso à saída, deteve-se por um segundo (não mais que isso),  afastou os cabelos e olhou por cima do ombro esquerdo, na direção de onde estariam os três desajeitados cortejadores.
Ainda estavam ali, parados, acompanhando-a com o olhar, porém, hiptonizados pelos efeitos devastadores de seu olhar eloisante.
Ela voltou-se a saída, esboçando agora um sorriso diferente, divertido, balançando  negativamente a cabeça antes de sumir na escuridão da bruma.


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2 comentários:

  1. Oi Ricardo, adorei sua maneira de escrever, é envolvente e inteligente. Simplismente AMEI! Beijos!

  1. Obrigado ... espero continuar correspondendo as expectativas. Fico muito feliz que tenha gostado.

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