A MENINA VERDE
(a história de uma palmeirense contada por um corintiano)
Carlinha era uma doçura em forma de menina.
Era bonita, alegre, divertida, contudo, Carlinha tinha um grande defeito, quase que uma maldição: Carlinha era palmeirense.  Isso mesmo, linda, jovem, uma vida inteira de sonhos e realizações pela frente, mas ela incutiu-se de ser palmeirense.
É, fazer o quê? Já era tradição da família chegada da Calábria no litoral italiano e desde os tempos do saudoso (não sei pra quem) Palestra Itália que já sofriam os desprazeres de torcer pelo time verde do Parque Antártica.
Seu pai, “Seu Tião” como era conhecido a ensinou (ou contagiou, não sei) desde pequena a torcer pelo time verde (o que no meu mundo deveria render a ele pelo menos uns quinze anos de prisão por desencaminhar uma menor de idade, mas como esse não é o meu mundo, segue a história...).
Esta triste sina a trouxe muitos, realmente incontáveis desprazeres, mas uma vez por outra, algumas alegrias (afinal, as pessoas precisam de tão pouco para se sentir felizes, que qualquer 1x0 no XV de Piracicaba já servia), o que não havia sido o caso naquela tarde.
A gloriosa equipe esmeraldina tão orgulhosamente chamada por seus torcedores de “Verdão”, naquele dia não passara de um verdinho desbotado, um verde pálido, no máximo. Eram os idos do Brasileirão 2011 e haviam apanhado de 2x0 de um time mediano que ainda não tinha ganhado de ninguém.
Clima de revolta e desânimo na casa do Seu Tião.
Carlinha era intempestiva, emotiva como boa italianinha que era, beirava o desespero quando seu time perdia (o que, diga-se de passagem, era frequente) e naquele 26 de junho não foi diferente. Ela xingava, esbravejava, culpava o juiz, o goleiro, a cor do gramado e até os corintianos (?) que por sinal, longe dali, massacravam um outro timinho médio mas esta já é uma outra história.
Quando viu que já não havia mais o que fazer e que apesar de todos os gritos, sofrimentos e xingamentos (inclusive aos pobres corintianos) saiu chutando e socando o ar, como se diz popularmente: “cuspindo marimbondos”.
Saiu de casa e foi para o lugar para onde gostava de ir sempre que queria ficar sozinha: um dos pastos da fazenda onde ficavam seus dois amigos: Soberano e Faruk, dois cavalos com quem ela costumava conversar quando se sentia triste.
Ela os chamava pelos nomes e às vezes eles até atendiam. Vez por outra ela levava espigas de milho ou alguma outra guloseima para seus amigos, para incrementar o diálogo com eles.
Ressentida pelos recém desprazeres verdes sofridos naquela tarde ela queria e muito mais que isso, precisava conversar e ninguém para ouvi-la melhor que os atentos Soberano e Faruk.
Eram machos adultos, ambos de pelagem marrom. Soberano tinha patas peludas e uma cicatriz no peito, provavelmente fruto de alguma aventura amorosa que lhe exigiu que literalmente pulasse a cerca. Faruk tinha olhos brilhantes (os dois) e uma longa calda branca (só para registro, Soberano também tinha rabo e era marrom).
Carlinha subia na porteira e levava as espigas de milho e outras iguarias numa sacolinha. Ela os chamava e eles geralmente - provavelmente em busca do lanchinho ou de uma boa conversa, quem sabe – atendiam-na prontamente.
Ela perguntava como estavam, como tinha sido o dia deles, afagava suas cabeças e eles respondiam comendo (só comendo mesmo).
Daí, ela falava do tempo, sobre a escola, sobre algum garoto interessante que tivesse conhecido e até as piadas que recebia pela internet ela compartilhava com eles.
Só tinha um assunto que Carlinha não costumava a tocar nessas conversas: futebol. Não que não fosse um de seus assuntos favoritos, mas aqueles diálogos com Soberano e Faruk ela reservava para falar sobre assuntos que a distraíssem das tristezas da vida, evitando, portando, temas que a deixassem magoada, e como o tema “palmeiras” geralmente a deixava magoada, ela raramente tocava no assunto.
Mas naquela tarde ela estava tão irritada, mas tão irritada que não se conteve e acabou desabafando:
 - Ai que ódio! ‘To’ morrendo de raiva! Como o palmeiras perdeu aquele jogo? ‘Tava’ fácil! Não tinha como perder! Era só jogar direito! Não fizemos nem um golzinho, acredita? Ai que ódio! E o pior não é isso! O pior vai ser aguentar a gozação daqueles corintianos idiotas, amanhã na escola! Ag, amanhã não tem aula, menos mal. Mas mesmo assim, que ódio! ‘To’ até vendo as mensagens no celular e os e-mails! Ai que ódio!!!
Realmente o sangue italiano fervia nessas horas e ela literalmente chorava de raiva.
- Vocês é que tem sorte. Não torcem pra ninguém. Não ficam desse jeito, né? Não precisam sofrer, nem ficar brigando por causa de time. Vocês não sabem a sorte que tem. Acho que eu vou largar mão disso também. Nunca mais vou ver um jogo do palmeiras. Nunca mais vou torcer de novo. Pra quê? Só pra focar sofrendo? ‘Acha’?
No fundo ela sabia que seu coração ítalo-brasileiro era palmeirense até a morte e que no próximo jogo ela estaria ali novamente torcendo, chorando, sofrendo e por que não, sorrindo?
Era mais forte do que ela e para Carlinha era como uma dorzinha gostosa que ela sentia no peito. Algo que ela não abandonaria e não a abandonaria, jamais.
- Sabem de uma coisa? Da próxima vez eu vou torcer mais ainda. Quem sabe não traga mais sorte para o time. É isso mesmo! Hoje foi azar, mas no próximo jogo ninguém segura o verdão - e já dizia isso enxugando as lágrimas com um sorrisão no rosto, lindo e radiante como tudo mais que vinha dela.
- Bom, agora vou voltar para casa. Foi bom falar com vocês, tchau! E se despediu deles com mais um afago em cada um antes de descer da porteira e voltar correndo para casa, toda serelepe.
Os dois cavalos entreolharam-se como se pudessem balançar os ombros dizendo:
“ - você entendeu alguma coisa?”.
“- Não e você?”
“- Nem me fale, a propósito você soube o resultado do jogo do timão?
“- Sóooooo, mandamos ver pra cima dos bambis, hehehe.”
E se afastaram da porteira lentamente com largos sorrisos nas caras.

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3 comentários:

  1. O conto é interessante, assim como tudo que você tem escrito. Parabéns. Só é lamentável por conta dos ares nefastos expelidos pelos malfadados "curintianos". Arre..........

  1. Anônimo says:

    eu como corinthiana achei dou nota 10
    diz p esse povo ai corinthiano nasce não vira

  1. kkkkk, adorei, adorei o jeito alegre que a historia foi escrita, rsrsrs

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